Que todo mundo precisa dormir todo santo dia, todo mundo sabe. Mas como e por que a privação sono afeta o cérebro, a ponto de levar à morte se for completa e interrupta por mais de uma semana, a neurociência ainda não entendeu.
Não é por falta de esforço, pois manter suas cobaias acordadas requer cientistas acordados.
Chiara Cirelli que o diga. A Neurocientista da Universidade de Wisconsin em Madison começou sua carreira mais de quinze anos atrás dando tapinhas em garrafas de cultivo de mosquinhas (D. melanogaster) para mantê-las em atividade. Foi assim que fez uma descoberta primordial para a neurociência: o “repouso” das moscas é sono legítimo, e moscas que não conseguem sossego sofrem até morrerem.
Foi usando essas mosquinhas que Cirelli e colaboradores descobriram que durante o sono acontece a reciclagem de sinapses, as conexões entre neurônios através das quais a atividade de um neurônio influencia a de outros, base do funcionamento do cérebro. Reciclar sinapses envolve eliminar sinapses inativas e transferir material para outras que participaram de novos aprendizados durante o dia, papel dos astrócitos, células que nutrem neurônios. Em um estudo que saiu no “Journal of Neuroscience”, Cirelli e equipe mostram que, na falta de sono, um tipo de reciclagem sináptica acontece mesmo no cérebro acordado, o que parece benéfico, mas, se a falta de sono é crônica, a situação muda.
A equipe impediu que camundongos dormissem por um dia introduzindo constantemente objetos novos em sua caixa, ou manteve outros animais acordados por até 5 dias usando uma plataforma rotatória que obrigava os animais a permanecerem em movimento, ou cairiam na água, coisa que detestam.
Após um dia sem dormir, o número de sinapses recicladas por astrócitos dobra no córtex cerebral dos camundongos. Parece benéfico, já que o fator que parece promover a reciclagem é o acúmulo de danos à membrana celular, fruto de estar acordado. O problema é que daí em diante também entra em ação as células do sistema imune residentes no cérebro: a micróglia.
Essa ativação pode colocar o cérebro em um estado de hiperatividade imunitária que pode ser danoso, talvez até se autodestruindo.
Quanto tempo de privação leva para a micróglia ser ativada, ainda não se sabe. Na dúvida, melhor dormir bem, e todas as noites...
Fonte: Folha de São Paulo. Suzana Herculano Houzel é neurocientista, professora da Universidade Vanderbilt e autora do livro “The Human Advantage”.